Um experimento destinado a medir
as “oscilações dos neutrinos” forneceu conhecimentos cruciais para a
compreensão do fenômeno que possibilitou a constituição do universo
material.
Tal fenômeno, denominado “violação da simetria de carga-paridade dos léptons”, produziu, logo depois do Big Bang, um pequeno excedente de matéria em relação à antimatéria. É esse excedente que compõe, atualmente, o universo conhecido.
O experimento, chamado Double-Chooz, ainda está sendo conduzido, na França, por uma colaboração internacional com participação brasileira.
O físico italiano radicado no Brasil Pietro Chimenti participou da colaboração com o projeto “Análise bayesiana de θ13 no experimento Double-Chooz”, apoiado pela FAPESP.
“Foram investidos por volta de 40 milhões de euros no Double-Chooz. Quem gasta um valor desses para obter uma medida quer ter certeza de que essa medida seja muito bem realizada. Para isso, é necessário fazer e refazer os cálculos, empregando métodos diferentes, com o objetivo de descartar qualquer possível fonte de erro. Minha análise, utilizando o método bayesiano, confirmou os dados que haviam sido obtidos com técnicas mais convencionais. E isso foi muito bom”, disse Chimenti à Agência FAPESP.
O pesquisador, que atuou na Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, é, atualmente, professor-adjunto na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná.
Existem três tipos ou “sabores” (“flavors”) de neutrinos: o neutrino do elétron, o neutrino do múon e o neutrino do tau. A “oscilação dos neutrinos” é o nome genérico que se dá para a transformação de um tipo em outro.
“Trata-se de um fenômeno probabilístico, que ocorre durante a propagação dos neutrinos pelo espaço”, informou Chimenti.
O experimento Double-Chooz consiste na medição do fluxo de neutrinos produzido, em uma determinada direção e sentido, pela central nuclear de Chooz, localizada no departamento de Ardennes, próximo à fronteira da França com a Bélgica.
O fluxo é medido por meio de dois detectores idênticos, situados respectivamente a 400 metros e a 1.050 metros do reator.
A diferença na quantidade detectada permite calcular a transformação de um tipo de neutrino em outro e o ângulo de mistura entre os tipos.
A medição precisa desse ângulo de mistura, identificado pela sigla θ13 (lê-se “teta um três”), foi o objetivo principal do experimento Double-Chooz – não apenas pelo que podia informar acerca da natureza intrínseca dos neutrinos como, principalmente, por sua conexão com a violação da simetria de carga-paridade nos léptons, que produziu o excedente de matéria que constituiu o universo.
“Se θ13 fosse nulo, não seria possível medir, nas oscilações, a assimetria de carga-paridade. Porém, Double-Chooz forneceu um valor diferente de zero. E isso possibilita que experimentos futuros obtenham medidas da violação de simetria. Esses experimentos de nova geração são necessários porque, mesmo com θ13 diferente de zero, a assimetria pode ser nula”, argumentou Chimenti. Sua confirmação das medidas convencionais pelo método bayesiano foi muito bem recebida pelos pares.
“A análise bayesiana é um método estatístico que foi pouco usado na física de altas energias porque necessita de uma capacidade de cálculo que, até 20 anos atrás, não era comum. Agora, computadores muito poderosos, operando a baixo custo, possibilitaram que essa técnica viesse a ser utilizada mais frequentemente. Os resultados que alcancei são perfeitamente compatíveis com aqueles que a colaboração já havia obtido por meio de outras técnicas. Para usar uma analogia, nós dissemos a mesma coisa usando palavras diferentes”, explicou o pesquisador.
Quando fala em “experimentos de nova geração”, Chimenti refere-se especificamente ao megaprojeto internacional Dune (Deep Underground Neutrino Experiment), cuja primeira fase de operação deverá ter início em 2018, e a segunda, em 2021.
O aparato experimental do Dune consistirá, principalmente, em dois detectores instalados no percurso do mais intenso feixe de neutrinos produzido na Terra.
O primeiro detector registrará o fluxo próximo de sua fonte, no Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory), em Illinois, Estados Unidos.
O segundo detector, de porte muito maior, fará a detecção a 1300 quilômetros da fonte e a mais de um quilômetro abaixo do solo, no Sanford Underground Research Laboratory, em South Dakota, EUA.
O Brasil está participando do Dune, com pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal do ABC, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal de Alfenas em Poços de Caldas e Universidade Estadual de Feira de Santana.
E a participação já conta com auxílio da FAPESP por meio do projeto temático “Desafios para o Século XXI em Física e Astrofísica de Neutrinos”, coordenado por Orlando Luís Goulart Peres, e do apoio a jovens pesquisadores para o “Programa de argônio líquido na Unicamp”, conduzido por Ettore Segreto.
Propriedades singulares
Os neutrinos são, depois dos fótons, a segunda partícula mais abundante do universo. E, pelo fato de não serem suscetíveis à interação eletromagnética nem à interação nuclear forte, são capazes de atravessar a matéria comum, mesmo os corpos compactos, sem que seu movimento seja barrado ou desviado.
Essas propriedades singulares lhes conferem um papel único na física. Até o final da década de 1990, acreditava-se que não tivessem massa.
Porém, experimentos realizados nos laboratórios Super-Kamiokande, no Japão, e Sudbury Neutrino Observatory (SNO), no Canadá, mostraram que, embora muito pequena, a massa do neutrino não é nula.
Essa descoberta motivou a outorga do Prêmio Nobel de Física de 2015 ao japonês Takaaki Kajita e ao canadense Arthur McDonald (Leia mais sobre o assunto em agencia.fapesp.br/22019/).
No chamado Modelo Padrão da Física de Partículas, o neutrino faz parte da família dos léptons. Para cada lépton eletricamente carregado (o elétron, o múon e o tau), existe um tipo de neutrino correspondente. O que os experimentos do Super-Kamiokande e do SNO fizeram foi comprovar que um tipo de neutrino se transforma em outro. Essa transformação só é possível pelo fato de o neutrino ter massa.
A demonstração da massa da partícula e a outorga do Nobel a Kajita e McDonald transformaram o estudo dos neutrinos em um dos campos mais promissores da física atual.
Nosso planeta é atravessado regularmente por trilhões de neutrinos: neutrinos que foram produzidos nos primeiros tempos do universo; neutrinos provenientes de fontes extragalácticas; neutrinos gerados no interior das estrelas da Via Láctea; neutrinos originados no Sol; neutrinos resultantes do choque de raios cósmicos com a atmosfera terrestre.
Além destes, existem também os neutrinos produzidos na própria superfície da Terra pelo processo nuclear conhecido como decaimento beta, muito frequente nas usinas nucleares. São estes que foram e ainda estão sendo medidos pelo experimento Double-Chooz.
O decaimento beta é o processo por meio do qual um núcleo instável se transforma em outro ao emitir uma partícula beta (um elétron ou um pósitron).
No decaimento beta menos, um nêutron se transforma em um próton, ao emitir um elétron e um antineutrino. No decaimento beta mais, um próton se transforma em um nêutron, ao emitir um pósitron e um neutrino do elétron.
Além desses dois tipos de decaimento, a transformação pode ocorrer também por meio da captura eletrônica. Nesta, um próton se transforma em um nêutron, ao capturar um elétron e um neutrino do elétron.
“Devido à grande potência da central, o fenômeno é bastante expressivo em Chooz. E o experimento Double-Chooz foi montado para medir a transformação de neutrinos do elétron em outros neutrinos ao se afastarem da fonte que os gerou. O experimento deverá se prolongar por ainda mais um ano. Mas já proporcionou medidas muito importantes do ângulo de mistura θ13. E isso suscita muita expectativa em relação ao estudo da assimetria entre matéria e antimatéria. A violação da simetria de carga-paridade explicaria por que observamos matéria e não antimatéria no universo”, finalizou Chimenti.
Fonte: Agência Fapesp
Tal fenômeno, denominado “violação da simetria de carga-paridade dos léptons”, produziu, logo depois do Big Bang, um pequeno excedente de matéria em relação à antimatéria. É esse excedente que compõe, atualmente, o universo conhecido.
O experimento, chamado Double-Chooz, ainda está sendo conduzido, na França, por uma colaboração internacional com participação brasileira.
O físico italiano radicado no Brasil Pietro Chimenti participou da colaboração com o projeto “Análise bayesiana de θ13 no experimento Double-Chooz”, apoiado pela FAPESP.
“Foram investidos por volta de 40 milhões de euros no Double-Chooz. Quem gasta um valor desses para obter uma medida quer ter certeza de que essa medida seja muito bem realizada. Para isso, é necessário fazer e refazer os cálculos, empregando métodos diferentes, com o objetivo de descartar qualquer possível fonte de erro. Minha análise, utilizando o método bayesiano, confirmou os dados que haviam sido obtidos com técnicas mais convencionais. E isso foi muito bom”, disse Chimenti à Agência FAPESP.
O pesquisador, que atuou na Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, é, atualmente, professor-adjunto na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná.
Existem três tipos ou “sabores” (“flavors”) de neutrinos: o neutrino do elétron, o neutrino do múon e o neutrino do tau. A “oscilação dos neutrinos” é o nome genérico que se dá para a transformação de um tipo em outro.
“Trata-se de um fenômeno probabilístico, que ocorre durante a propagação dos neutrinos pelo espaço”, informou Chimenti.
O experimento Double-Chooz consiste na medição do fluxo de neutrinos produzido, em uma determinada direção e sentido, pela central nuclear de Chooz, localizada no departamento de Ardennes, próximo à fronteira da França com a Bélgica.
O fluxo é medido por meio de dois detectores idênticos, situados respectivamente a 400 metros e a 1.050 metros do reator.
A diferença na quantidade detectada permite calcular a transformação de um tipo de neutrino em outro e o ângulo de mistura entre os tipos.
A medição precisa desse ângulo de mistura, identificado pela sigla θ13 (lê-se “teta um três”), foi o objetivo principal do experimento Double-Chooz – não apenas pelo que podia informar acerca da natureza intrínseca dos neutrinos como, principalmente, por sua conexão com a violação da simetria de carga-paridade nos léptons, que produziu o excedente de matéria que constituiu o universo.
“Se θ13 fosse nulo, não seria possível medir, nas oscilações, a assimetria de carga-paridade. Porém, Double-Chooz forneceu um valor diferente de zero. E isso possibilita que experimentos futuros obtenham medidas da violação de simetria. Esses experimentos de nova geração são necessários porque, mesmo com θ13 diferente de zero, a assimetria pode ser nula”, argumentou Chimenti. Sua confirmação das medidas convencionais pelo método bayesiano foi muito bem recebida pelos pares.
“A análise bayesiana é um método estatístico que foi pouco usado na física de altas energias porque necessita de uma capacidade de cálculo que, até 20 anos atrás, não era comum. Agora, computadores muito poderosos, operando a baixo custo, possibilitaram que essa técnica viesse a ser utilizada mais frequentemente. Os resultados que alcancei são perfeitamente compatíveis com aqueles que a colaboração já havia obtido por meio de outras técnicas. Para usar uma analogia, nós dissemos a mesma coisa usando palavras diferentes”, explicou o pesquisador.
Quando fala em “experimentos de nova geração”, Chimenti refere-se especificamente ao megaprojeto internacional Dune (Deep Underground Neutrino Experiment), cuja primeira fase de operação deverá ter início em 2018, e a segunda, em 2021.
O aparato experimental do Dune consistirá, principalmente, em dois detectores instalados no percurso do mais intenso feixe de neutrinos produzido na Terra.
O primeiro detector registrará o fluxo próximo de sua fonte, no Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory), em Illinois, Estados Unidos.
O segundo detector, de porte muito maior, fará a detecção a 1300 quilômetros da fonte e a mais de um quilômetro abaixo do solo, no Sanford Underground Research Laboratory, em South Dakota, EUA.
O Brasil está participando do Dune, com pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal do ABC, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal de Alfenas em Poços de Caldas e Universidade Estadual de Feira de Santana.
E a participação já conta com auxílio da FAPESP por meio do projeto temático “Desafios para o Século XXI em Física e Astrofísica de Neutrinos”, coordenado por Orlando Luís Goulart Peres, e do apoio a jovens pesquisadores para o “Programa de argônio líquido na Unicamp”, conduzido por Ettore Segreto.
Propriedades singulares
Os neutrinos são, depois dos fótons, a segunda partícula mais abundante do universo. E, pelo fato de não serem suscetíveis à interação eletromagnética nem à interação nuclear forte, são capazes de atravessar a matéria comum, mesmo os corpos compactos, sem que seu movimento seja barrado ou desviado.
Essas propriedades singulares lhes conferem um papel único na física. Até o final da década de 1990, acreditava-se que não tivessem massa.
Porém, experimentos realizados nos laboratórios Super-Kamiokande, no Japão, e Sudbury Neutrino Observatory (SNO), no Canadá, mostraram que, embora muito pequena, a massa do neutrino não é nula.
Essa descoberta motivou a outorga do Prêmio Nobel de Física de 2015 ao japonês Takaaki Kajita e ao canadense Arthur McDonald (Leia mais sobre o assunto em agencia.fapesp.br/22019/).
No chamado Modelo Padrão da Física de Partículas, o neutrino faz parte da família dos léptons. Para cada lépton eletricamente carregado (o elétron, o múon e o tau), existe um tipo de neutrino correspondente. O que os experimentos do Super-Kamiokande e do SNO fizeram foi comprovar que um tipo de neutrino se transforma em outro. Essa transformação só é possível pelo fato de o neutrino ter massa.
A demonstração da massa da partícula e a outorga do Nobel a Kajita e McDonald transformaram o estudo dos neutrinos em um dos campos mais promissores da física atual.
Nosso planeta é atravessado regularmente por trilhões de neutrinos: neutrinos que foram produzidos nos primeiros tempos do universo; neutrinos provenientes de fontes extragalácticas; neutrinos gerados no interior das estrelas da Via Láctea; neutrinos originados no Sol; neutrinos resultantes do choque de raios cósmicos com a atmosfera terrestre.
Além destes, existem também os neutrinos produzidos na própria superfície da Terra pelo processo nuclear conhecido como decaimento beta, muito frequente nas usinas nucleares. São estes que foram e ainda estão sendo medidos pelo experimento Double-Chooz.
O decaimento beta é o processo por meio do qual um núcleo instável se transforma em outro ao emitir uma partícula beta (um elétron ou um pósitron).
No decaimento beta menos, um nêutron se transforma em um próton, ao emitir um elétron e um antineutrino. No decaimento beta mais, um próton se transforma em um nêutron, ao emitir um pósitron e um neutrino do elétron.
Além desses dois tipos de decaimento, a transformação pode ocorrer também por meio da captura eletrônica. Nesta, um próton se transforma em um nêutron, ao capturar um elétron e um neutrino do elétron.
“Devido à grande potência da central, o fenômeno é bastante expressivo em Chooz. E o experimento Double-Chooz foi montado para medir a transformação de neutrinos do elétron em outros neutrinos ao se afastarem da fonte que os gerou. O experimento deverá se prolongar por ainda mais um ano. Mas já proporcionou medidas muito importantes do ângulo de mistura θ13. E isso suscita muita expectativa em relação ao estudo da assimetria entre matéria e antimatéria. A violação da simetria de carga-paridade explicaria por que observamos matéria e não antimatéria no universo”, finalizou Chimenti.
Fonte: Agência Fapesp
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