Antônio fazia entrega de documentos. Convites de aniversário, mensagens,
bolos. Às vezes, buscava uma senhora idosa na igreja. Em uma manhã diferente de
todas as outras, vê seu nome envolvido em investigação da Polícia Federal (PF)
e tem de dar explicações sobre movimentação milionária de uma empresa em seu
nome.
O homem, assim como outras 12 pessoas, figura como
´laranja´ no esquema desmontado pela Operação Fidúcia, deflagrada pela Polícia
Federal em 24 de março. Como a maioria dos que tiveram seus nomes envolvidos,
afirmou não ter o menor conhecimento da empresa citada.
Na
Operação, são investigados desvios de R$ 20 milhões a R$ 100 milhões em
empréstimos junto à Caixa Econômica Federal (CEF) em um período de
aproximadamente um ano e meio. 56 mandados judiciais foram expedidos pela 32ª
Vara da Justiça Federal.
Conforme as investigações, os
estelionatários abriram empresas fantasma de construção civil em nomes de
terceiros, usados como ´laranjas´. Em seguida, solicitavam à Caixa empréstimos
e financiamentos bancários, com documentos falsos.
O
processo de concessão dos benefícios era manipulado pelo grupo, que aliciou
servidores da própria Caixa, de acordo com a PF. Os funcionários da instituição
bancária então concediam os pedidos. Segundo a PF, as empresas não executaram
serviço nenhum, servindo apenas para obtenção dos
empréstimos.
José é pedreiro. Trabalha também como pintor e
eletricista. Conforme as investigações, é sócio, junto com o filho, em uma
empresa que tomou mais de R$ 3 milhões em empréstimos. Ele alega que foi
convidado por um cliente a abrir uma empresa para prestar serviço, mas que não
tinha ideia do que de fato estava acontecendo, nem do montante que o CNPJ em
seu nome estava
movimentando.
Confiança
Antônia
trabalha desde 1998 para a família de um dos investigados que está preso.
Ganhando dois salários mínimos, ela não tem carteira de trabalho assinada.
Contudo, o nome da mulher compõe o quadro societário de uma das empresas
investigadas. Ela era sócia do próprio patrão.
A mulher, por
sua vez, admitiu ter conhecimento da existência do contrato, e que assinou os
documentos necessários sempre sem questionar. Cartões dos bancos e
movimentações ficavam à cargo do patrão, que movimentava mais de 33 milhões em
empréstimos feitos junto à Caixa. Disso, Antônia diz que não
sabia.
Machado também diz que confiou na pessoa errada.
Amigo de um primo dos chefes da quadrilha, o mecânico disse que assinou uma
papelada com a promessa de que receberia direitos trabalhistas que estavam
atrasados. No entanto, uma empresa foi aberta no nome do mecânico e movimentou
também alguns milhões de reais.
Josué, que é eletricista,
diz que depende de benefícios sociais do Governo Federal para manter a casa
onde mora. Diz também que há dois anos uma pessoa que não se recorda quem, o
convenceu a assinar alguns papéis. Ali era aberta uma empresa de importação de
produtos de informática no nome do homem. Também foi descoberta pela PF como
envolvida em fraudes junto à Caixa.
Maria está atônita. A
dona de casa alega que fabrica tapiocas e as vende, gerando uma renda mensal de
R$ 500. Mal sabe escrever o próprio nome, quiçá ler as linhas do contrato
social da empresa que comercializava máquinas e equipamentos. A empresa foi
aberta no nome de Maria, com um sócio que ela não faz ideia de quem
seja.
A mulher não reconhece a assinatura no papel. Parece,
mas não é a dela. Ela não sabe como seu nome, até então limpo, teria ido parar
ali.
Iacira também disse não entender o que está acontecendo
em sua vida. A diarista, que afirma receber R$ 250 por mês prestando serviços
em casas de família, é citada como empresária do ramo de comércio de
computadores. Ao ver os documentos apresentados em que constavam seu nome, não
reconheceu as assinaturas.
Todos os 13 ´laranjas´ apontados
pela Polícia Federal estão em liberdade. A participação e o conhecimento deles
da prática dos crimes ainda estão sendo investigados pela
PF.
Justiça
Na
última sexta-feira (24), o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia
contra quatro homens, apontados pela Polícia Federal como os principais
articuladores do esquema.
Os empresários Ricardo Alves
Carneiro, 43; Diego Pinheiro Carneiro, 27; José Hybernon Cysne Neto, 56; e o
ex-gerente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal (CEF), Israel Batista
Ribeiro Júnior, 43, estão presos preventivamente e foram denunciados pelo
procurador regional da república, Geraldo Assunção
Tavares.
"O fato de não constar desta denúncia outros
indiciados não significa que o Ministério Público Federal esteja requerendo o
arquivamento tácito do presente apuratório em seu favor, apenas entendemos por
bem denunciar nesta ocasião os acusados que já estão presos
preventivamente", relatou o MPF.
Interpol será acionada
para capturar foragido
Um dos homens investigados pela
Polícia Federal (PF) nas fraudes milionárias junto à Caixa, o empresário
Fernando Hélio Alves Carneiro, ainda não foi localizado pelos
investigadores.
Segundo a PF, ele estaria foragido nos
Estados Unidos. Por este motivo, será pedido o apoio da Interpol para auxiliar
na localização do suspeito. O nome de Fernando será incluído no sistema de
Difusão Vermelha, visando o cumprimento de seu mandado de
prisão.
Memoriais
Os
advogados Leandro Vasques e Holanda Segundo apresentaram requerimentos ao
procurador regional da República, Geraldo Assunção Tavares, tentando demover o
Ministério Público Federal de oferecer denúncia contra todos os que foram presos
na deflagração da Operação Fidúcia, em 24 de março.
Os
memoriais protocolados foram em nome do gerente geral da agência da CEF situada
na Avenida Dom Luiz, Jaime Dias Frota Filho; e o superintendente Nacional da
Caixa para o Nordeste, Odilon Pires Soares.
De acordo com
Vasques, os dois teriam tido atuação diferente dos outros servidores da Caixa
Econômica. Jaime, conforme o advogado, teria sido, inclusive, o principal
denunciador do esquema dentro do banco. A defesa diz que e-mails pediam o afastamento
do então gerente Israel Batista Ribeiro Júnior.
"A
denúncia se limitou a reproduzir o mesmo enquadramento penal trazido pelo
relatório da autoridade policial. Consideramos que o relatório possui certos
exageros. Durante a instrução iremos demonstrar a regularidade de todos os
negócios feitos", disse Vasques.
Fonte:
Diário do Nordeste